Tuesday, June 27, 2006

Grandes Brasileiros II - ROBERTO CAMPOS

Na semana que passou foram abundantes e merecidas as manifestações de admiração ao conjunto da obra de Roberto Campos, um homem extraordinário que muito fez pelo país, e que ainda poderia fazer mais. Sentiremos sua falta, como sentimos a partida do professor Simonsen, pois são poucos os desta estirpe num país tão cheio de “pensadores alternativos”.

Muitas pessoas se manifestaram sobre Roberto Campos, e deve ser notado que não houve uma unanimidade. Mas as malcriações isoladas, declarações reticentes e ressentimentos mal disfarçados vindas dos arraiais parnasianos apenas reforçam a impressão de que Roberto Campos deixou vencidos e prostrados vários de seus inimigos e que os estragos inflingidos nos adversários do que hoje se chama de “neo-liberalismo” foram permanentes, irreversíveis e doloridos.

Com efeito, foi a própria Folha de São Paulo que, em abril de 1993, publicou uma caderno especial (o Mais!) cujo título e tema era “OK, Bob, Você venceu!”. Na quarta feira que passou, o própio ex-ministro Delfim Netto, decano dos heterodoxos brasileiros, assinou um artigo no mesmo jornal, e com o mesmo título: “OK, Roberto Campos, você venceu!”.

A morte do velho liberal reafirmou, portanto, de forma contundente esta simples verdade, que volta e meia se quer ocultar ou diminuir. Ele venceu. Não obstante, logo após os criminosos atentados de 11 de setembro, a mesma Folha de São Paulo publicou (em 23.09.2001) um inacreditável editorial, entitulado “Escombro Doutrinário”, onde dizia que “a primeira vítima da economia de guerra criada pelos atentados terroristas é a corrente de economistas e líderes políticos que ficou conhecida como ‘neoliberal’ ”. E mais adiante adicionava que “o modelo ‘neoliberal’está em ruínas ... e entre os escombros, as maiores vítimas novamente são os países cujos governos acreditaram com mais fervor nas ilusões de uma nova ordem global”.

Como interpretação do significado do episódio, e como avaliação dos impactos econômicos da resposta militar norte americana aos crimes perpetrados pela organização terrorista do senhor Bin Laden, posso imaginar pouca coisa mais infeliz e equivocada para se dizer, ainda mais em vista do mau gosto na escolha das palavras. Junte-se a isso o fato de que o editorial é totalmente inconsistente com o que foi dito sobre Roberto Campos, cuja morte torna o citado editorial ainda mais exótico.

Apenas num exercício de contorcionismo intelectual comparável aos da antiga propaganda soviética sobre o avanço inexorável do socialismo seria de se imaginar que as iniciativas recentes do Presidente Bush teriam o condão de modificar radicalmente cláusulas pétreas da economia norte americana, como o primado do funcionamento dos mercados e da livre iniciativa, a disciplina fiscal, o comércio livre, mesmo com os pecadilhos que conhecemos, e tudo aquilo que fez dos EUA a principal e mais bem sucedida economia deste planeta. É um delírio pretender que os EUA, em três semanas, penetrou numa “economia de guerra” regredindo a um “keynesianismo primitivo”, ou a uma glorificação da irresponsabilidade fiscal e a um reconhecimento de que a economia de mercado falhou. Um delírio ainda mais deslocado diante de tudo que foi dito em toda parte sobre a “vitória” de Roberto Campos.

Os que se debruçaram sobre a extraordinária trajetória de Roberto Campos, amplamente revisitada, terão observado seu trabalho como economista, diplomata, polemista e homem público, e terão possivelmente aprendido um pouco mais sobre o que realmente significa “neoliberalismo” especialmente num país como o Brasil. Roberto Campos criou o BNDES, nosso maior e mais importante de política industrial. Criou o FGTS, um importante, ainda qua mal utilizado, instrumento de captação de poupança e formação de patrimônio para o trabalhador. Participou da criação do SFH, de incontáveis exercícios de planjamento, que liberal é este que patrocinou tantas “interferências” do Estado na economia?

Roberto Campos tinha e tem a ensinar que a participação do Estado na economia pode fazer sentido às vezes, e que como os erros do governo são bem maiores e mais frequentes que os do mercado, o ideal é que a política econômica seja conduzida por quem acredita em mercados e não na infalibilidade da burocracia.

A verdade é que o “neoliberalismo” é uma caricatura, um espantalho criado pelos patronos do estatismo patrimonialista, pelos medalhões das federações encasteladas em seus palácios de mármore, pelas corporações alimentadas das entranhas dos dinossauros que Roberto Campos tanto combateu, pelo nosso pós-marxismo envergonhado e ressentido e pelos economistas alternativos de linguagem parnasiana. A verdade é simples: o “neoliberalismo” é mito, uma miragem criada pelos seus detratores.

Isso que essa gente chama de neoliberalismo é o sistema econômico vencedor neste planeta, um sistema tão imperfeito como a democracia representativa, como já se disse tantas vezes, mas o melhor que há. Em ruínas estão seus detratores em Cabul, ou no Líbano, ou nas repúblicas socialistas onde se procuram “alternativas”. Em ruínas está Cuba, há décadas governada por um ditador tão bom de relações públicas que consegue a proeza de ser tratado como um chefe de estado comum.

Às vezes se ouve que os adversários do neoliberalismo foram bem sucedidos, e o exemplo é Tony Blair. Ridículo, não?

O fato é que Roberto Campos venceu, mas o choro dos derrotados, que vinha de antes, continua.

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