Um pouco de cultura às massas subdesenvolvidas e perdidas no vale da idiotia: Jim Morrison. Letrista brilhante e grande poeta. Escolhi Jim Morrison - entre tantos outros músicos geniais - porque ele foi exemplo de ousadia, criatividade e capacidade. Líder da banda The Doors, morreu jovem em virtude de problemas com álcool e drogas. Influenciou toda uma geração - década de 70.
Ao longo de toda a sua vida Morrison demonstrou um enorme interesse por Filosofia e por temas associados à expansão da consciência (o que motivou suas experiências com drogas). As pessoas próximas o descreviam como intelectualmente genial e seu QI beirava 150.
A música mais bem sucedida da banda, foi e é com certeza a bela "Light my fire". Os Doors foram a outra cara da geração Sgt Pepper's. Enquanto grupos como Beatles e a turma de São Francisco buscavam paz, amor e uma vida alternativa, os Doors apontavam para o lado do caos, da revolta. À frente de tudo estava Jim Morrison, o novo apóstolo o rock, que entendia que os tempos eram perigosos e assassinos. Curiosamente, Morrison não tinha a pretensão de ser cantor. Não se interessava tanto por rock e via na música apenas um meio para canalizar suas aspirações poéticas e artísticas.
Os concertos dos Doors eram na verdade, rituais. Morrison conhecia profundamente a filosofia de Nietzche e particularmente suas obras: A origem da tragédia e a cultura dos gregos, as quais o autor postula o espírito dionisíaco em cujo delírio sagrado a natureza abre ao artista suas verdadeiras portas e lhe mostra a face real:
"A música mágica e a conjuração parecem ter sido a forma primitiva e origem de toda a poesia. O homem acostumou-se durante milênios com a conecção do idioma com o ritmo da música. O poder mágico da dicção rítmica tem sido paulatinamente esquecido. Distanciamo-nos cada vez mais da nossa origem. A canção mágica é uma conjuração aos demônios que parecem estar em atividade. A iniciação - cujos mestres foram segundo a mitologia, Orfeu, Musaeu, etc... era fundamentada pelos efeitos catárticos. As canções rituais relacionadas com os antigos mistérios eram vigorosas e entusiásticas."
(Nietzche - A cultura dos gregos)"
"Da mesma forma que os coribantes possuídos pela febre da dança não realizam suas que evoluções no espaço, segundo uma clara consciência, os poetas líricostambém engendram as mais belas poesias apenas quando a potência da harmonia e do ritmo 'baixa' sobre eles."
(Platão, em Ion)
Morrison havia particpado na UCLA de um grupo de teatro que seguia as diretrizes do teatro da crueldade do surrealista Antonin Artaud. A representação cênica foi revolucionada por este mestre que a concebia como um ritual orgástico, mágico e irrepetitível. Artaud, que nos anos 30 jáexperimentava peiote (cacto alucinógeno) entre os xamãs mexicanos, descreveu esse ritual no seu livro A Taraumara. "O país dos índios Taraumara é repleto de misteriosos signos de formas esculpidas pela rocha viva sob o sol escaldante do deserto. Sob o efeito profundo do peyote, presenciei a tradição da Cabala, esta notável música dos números. A sagrada matemática oculta, na qual o caos material se rende totalmente a seus princípios. Uma matemática grandiosa que explica como a natureza engendra a gênese das formas. Nos maciços rochosos do deserto, distinguia, cristalinamente as estátuas esculpidas segundo a progressão numérica 3,4,7 e 8. As formas bizarras e barrocas dispunham-se sob um pedestal de granito formado por 3 sólidas rochas que se arrojavam em 12 pontas até as alturas. Os Taraumara repetiam estas séries em seus rituais e danças." (Antonin Artaud)
Os alucinógenos sempre tiveram uma importância muito grande na formulação inicial do som dos Doors. Eram utilizados como catalisadores. Morrison seguiu ao pé da letra a máxima de Rimbaud: "Embriaguês sagrada: te afirmamos método!" ritualizando seus concertos, deixava-se levar pelas poderosas correntezas de Dionísio."
(Erycson Poltronieri e Andrei Simoes)
O fatídico show de Miami, em 1969 - pela visão de John Densmore, baterista.
"Existe um ponto além do qual não há retorno. Este é o ponto que devemos atingir."
(Franz Kafka)
O ponto ao qual Kafka se referia foi alcançado por Jim naquela noite. Metamorfoseou-se em um monstro que mesmo assim continuava a ser fascinante. Mas o que realmente o levou a se precipitar no abismo naquela noite? Decerto, a energia extra com o qual nascera ou seus próprios demônios interiores. O Dinner key auditorium estava superlotado. Eram 8 e 15 da noite e Jim não chegara na hora prevista. Robbie (o guitarrista) comentou: "será que odemosentrar sem ele?" "de modo algum" eu disse. Após meia-hora de tensão ele chegou. Não olhei para trás mas senti que alguém com uma vibração completamente estranha havia chegado. Percebi literalmente o caos se aproximar. O que todos chamam de carisma eu denomino de psicose! Não o encarei frontalmente, pois tinha medo daquela sinistra figura. Entramos no palco, Jim estava completamente embriagado. Começamos com Back Door Man e então Jim parou a música no meio e começou a vociferar:"Vocês não passam de uns fodidos! Vocês vão atr s de tudo que lhes mandam, deixam ser comandados. Na verdade, gostam disso não? Acredito até que talvez apreciem enfiar a cara na merda... não passam de um bando de escravos. E o que pensam para fazer mudar tudo isso? Não estou falando em revolução. Não estou querendo fazer nenhum tipo de demonstração. Apenas falo na possibilidade de nos divertirmos. Falo sobre dançarmos, sobre fazer amor. Isso, agarre seu amigo e faça amor! Vamos! Sim! O que vocês estão fazendo? Querem ouvir música não? Não, não é isso o que vocês querem. Então está certo. Quero ver muita ação aqui. Não existem regras ou limites! Vamos lá!"
Neste preciso instante o palco começou a ser invadido por uma multidão. As pessoas formavam um círculo e dançavam feericamente. Um policial e Jim trocaram os chapéus. Decidi abandonar o palco o mais rápido possível. Um segurança levou Jim para fora do palco, já completamente invadido e destruído pela multidão enlouquecida."
(Jon Densmore)
Recomendo uma bela ouvida no CD: "An American Prayer".
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