Thursday, September 04, 2008

Tempos inúteis

Os tempos atuais são repletos de decadência, miséria, fome, superficialidade, futilidade, violências de todo tipo, injustiças, desespero. É como vejo o mundo de hoje. Ninguém melhor que Carlos Drummond de Andrade, um dos meus poetas e pensadores preferidos, para ilustrar os dias que vivemos. Sua visão atemporal e seu pensamento pétreo, porém profundo diz tudo.


Os Ombros que Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

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